sábado, 23 de outubro de 2010

Fatos dos últimos tempos


"Que lindo esse coraçãozinho."
"Lindo né?"
...eu mereço!

Nada mais urgente

Dias de sol me lembram estrada e viagens. Viagens me lembram carona. Carona me faz lembrar de mil histórias de estrada.
Minha trajetória por Kombis e Fuscas velhos vem de muito tempo. Quando pequena, mamãe arrumava nossas tralhas e saía me arrastando para beiradas de barrancos. Eu tinha os cabelos esgadanhados, usava uns vestidinhos estampados e sandalinhas. Um coisa fofa de se ver. Quem não iria parar para conduzir as duas ao seu destino?
O tempo passou, e, adolescente, eu ainda pegava carona com ela. Éramos então duas moças torrando ao sol (o asfalto esquenta muito mais na rodovia) e esperando.
Um belo dia pegamos uma carona muito boa, com um rapaz sozinho, educado, muito solícito. De repente alguém pisca e ele manda: "Ferrou". Putz, cara, tá cheio de bagulho aí é? Ele estava, de fato, e enfiou tudo na cueca, bem rapidinho. Ó! Que destreza. Passamos incólumes, pois os canas acharam se tratar de uma família feliz, e, em agradecimento almoçamos e passeamos o dia todo com o moço, quando chegamos ao nosso destino.
Eis que cresço mais um pouco, minha mãe tem outros compromissos e eu arrumo outra companheira. Minha amiga e fiel escudeira também é chegada em "economizar uns trocadinhos" e então passamos a viajar guardando "o da passagem" - revertido em cervejas.
Claro que passamos nossos perrengues. Houve um dia em que, vencidas pelo cansaço, fomos obrigadas a pegar o busão. Beleza.
Mas houve dias de êxito rápido. Isso acontece quando se dá preferência aos caminhões, que tem os melhores condutores em termos de "causos". Um caminhoneiro sem dentes com duas esposas, um nordestino que ofereceu casa na praia para nos hospedar, um religioso que recomendava a todo momento que passássemos "longe das drogas". Mas não dispensamos os carros, ora pois, e nisso embarcamos em Brasílias e Variants de todas as cores, com gente bonita, feia, nova, velha... Gente que dá medo, que dá vontade de mandar parar o carro. Gente que é muda e escreve em um caderninho enquanto dirige (Puta merda, moço!!! Presta atenção!!! Ops, surdo-mudo), gente que faz a gente segurar aquários e sacolas durante o percurso. Ai, que coisa boa!
Vou além, achando que as caronas também pode caracterizar um termômetro das pessoas. Você percebe que nem todo mundo é ruim, nem bom. Que quase todo homem que para é tarado mesmo, mas que há exceções.
Acima de tudo notamos o quão rica nossa vida pode ser em matéria de experiências e histórias. Aí ouço, em minha cabeça, Sá & Guarabira cantando "...nada mais urgente, que o pó da estrada...", e me dá uma vontade enorme de arrumar a mochila.
Ainda sentiremos falta disso.

sábado, 16 de outubro de 2010

Tem que ter tema

Acho que foi o feriado, mas ontem eu não me dei conta de que era quinta-feira e não escrevi nada. Recebi um e-mail de uma amiga cobrando o texto, "Hoje é quinta-feira!", e prometi mandar hoje. Dei então com um buraco nas ideias, uma falta de assunto crônica, um não-tem-o-que-falar-fica-quieta daqueles.
Opa! Isso é tema. Tudo vira tema, na verdade, quando é para escrever. Porque todo pensamento, toda conversa, todo fato é uma linha escrita em potencial.
Tudo bem, vamos lá. Não, espera, vou tomar um café.
Voltei. O telefone tocou. Atendi.
Recebi um e-mail com receitas, vou ler.
Recebi uma correspondência, vou assinar.
Me deu vontade de ir ao banheiro, levantei.
Pronto, agora vai.
Certo, estou mesmo sem assunto. É uma coisa estranha ficar sem assunto, eu falo sem parar o dia todo, telefono sem parar, escrevo coisas sem parar. Será que secou? Meu Deus, estou seca! Desse mato não sai coelho.
Respiro.
Me lembro então de uma crônica de jornal, de um dos meus escrritores preferidos, que tratava justamente desse "tem que ter tema toda semana", às vezes tão difícil. Ele contava que entrava em estado de alerta, buscando em todos os movimentos das coisas e das pessoas um motivo para escrever. Saía de casa, dava uma volta, achava um assunto, descartava, achava outro, escrevia, amassava, jogava tudo fora.
Por que escrever então, se não há do que falar? Porque não me conformo com "não ter o que falar", a gente sempre tem, se procurar bem. Escrever vira hábito, depois mania, por fim paixão. Escrever satisfaz, receber elogios satisfaz mais ainda; dá vontade de escrever mais coisas, tudo vira assunto de repente (apesar de hoje não ter virado nada).
Isso. Na verdade o texto de hoje é uma declaração de amor à escrita, tão arredia e tão difícil de dominar. Queria dominá-la, mas hoje vejo que o contrário aconteceu.

Os livros que em nossa vida entraram

Ontem à noite começei a ler um livro que sempre adiei, "Lolita" do Nabokov. Fiquei meio impressionada, mesmo tendo lido poucas páginas até agora; o livro não tem nada de pornografia, nem baixaria, mas ainda assim é pesado. Tem uma aura pesada.
Comentei com um amigo que estava lendo, o que desaguou naquelas clássicas prosas literárias: "Está gostando?", "É bom?", "É de quem mesmo?"...
Eu, que adoro um papo, sobre qualquer coisa, até endireito a postura na cadeira para falar de livros. Dos que li, dos que não li, dos que quero ler, dos que queriam que eu lesse. E é sobre estes últimos que queria abrir um parêntese.
Alguns livros escolhemos, outros não são nossa culpa. Compramos, pelo autor, pelo burburinho das revistas, porque nos indicaram efusivamente, porque cheira muito bem (pelo menos eu cheiro todos os livros que pego) ou porque precisamos mesmo.
Mas aí vem a parte complicada. Ganhamos ou "pegamos emprestado" algumas pérolas da literatura do submundo. Vou explicar.
Ganhamos no nosso aniversário. Quando vejo a sacolinha da livraria, ou um embrulho retangular em papel azul fico feliz na hora. Livro! Livro é sempre bom, não é? Ops, "Em busca do príncipe encantado" ? "O vendedor de sonhos" ? "Homens são de Marte e mulheres são de Vênus" ? Tudo bem, nem sempre é o presente ideal.
Ponho então o livro debaixo do braço e vou à livraria.
"Moço, eu queria trocar este livro, por favor."
" Este é da pilha da promoção, você pode escolher um daqui ó."
"Ah! Tudo bem, obrigada!"
Revira a pilha pra cá, revira a pilha pra lá. "Madonna, uma biografia" , "A volta ao mundo em oitenta dias" (esse eu já ganhei), "100 dicas infalíveis para...".
"Moço, posso trocar por cartões de Natal?"
"Pode".
Saio da livraria cheia de cartões de Natal, que vão ser úteis, com certeza.
Se pretende me dar um livro de presente, observe bem.
Beleza, vem a parte do "pegamos emprestado". Aspas para significar que não pegamos, mas nos emprestaram mesmo contra nossa vontade.
Você vai à casa de um amigo, para em frente à estante, enquanto bebe alguma coisa. O amigo pressente e vem andando lá da cozinha.
"Nooooooooossa, você TEM que ler esse livro!"
"'Eram os deuses astronautas?', é bom mesmo?"
"Bom? É ótimo!!! Toma, leva pra casa. Fica o tempo que quiser, mas leia. Leia!!!"
Eu levo, claro, vou fazer desfeita?
Chego em casa com o livro, ponho na cabeceira. No outro dia de manhã minha mãe arruma o quarto e fala alguma coisa como "Nossa, esse livro é mais velho que eu, coisa de gente maluca". É, mãe, eu não o escolhi exatamente. Mas estou com ele, e vou acabar lendo. Não posso ver um livro fechado muito tempo, a curiosidade me mata!
Acabo sucumbindo, lendo de boca aberta, exclamando "Nossa!" toda hora. Independe do assunto, pouca coisa já serve para me distrair. Mas não termino; quando é muito improvável o livro é abandonado antes do meio.
Toca então, na minha cabeça, aquela do Caetano: "...mas os livros que em nossa vida entraram são como a radiação de um corpo negro...".
Largo os deuses e vou ouvir música.

Ai que dó!

No caminho para casa, na hora do almoço, dou com a seguinte conversa, entre duas adolescentes:
"Vamos passar lá em casa pra você ver meu cachorrinho!?"
"Credo, eu odeio cachorro."
"Ai que dó! Ele é tão pequenininho, achei que você ia gostar."
"Não."
Curta e grossa a amiga. Até se parece comigo. Mas qual será o motivo da dó da outra?
Quando eu era pequena a coisa que mais me entristecia era ver os cachorros de rua tomando água da poça. Me deixava realmente muito mal. Eu chorava, decerto para ajudar a encher a poça.
Depois de crescida eu simplesmente deixei de amar os cachorros. Principlamente depois que a Suzy foi embora. Suzy era minha cachorrinha, uma mistura de vira-lata e vira-lata (as pessoas tem mania de se referirem a seus cães vira-latas como mistura de algo, para lhes conferir um pouco de glamour, talvez), bravíssima e temperamental. Era eu chegar perto e ela rosnava com muita raiva. Muita mesmo. Ela me odiava, mas era tão chique e se sentava de maneira tão elegante no sofá...Que eu tinha uma simpatia por ela! Acho que porque essas características também sempre me foram comuns - rosnar por pouca coisa e sentar elegantemente no sofá.
Por ironia do destino ela morreu justamente...Caindo do sofá, já bem velhinha. Acho que isso mexeu com algo dentro dela (no sentido fisiológico, não no filosófico) e ela grunhiu e morreu alguns minutos depois. Deste dia em diante passamos todos na minha casa a manter seguro distanciamento de cachorros. Para que não nos apeguemos e para poupar o trabalho.
Há quem ame os bichos, como a menina que convidou a amiga para ver a "coisa mais bonitinha", mas há quem não sinta por eles nada de especial. Quando vou a casas de amigos que tem bichos, e estes querem contar as peripécias deles, me dá uma vontade imensa de bocejar. Ou de ir embora. Mas fico com dó do amigo, e ouço, com cara de paisagem.
A outra que deveria ter dó da amiga e poupá-la de tão desestimulante visita.
Vai então um conselho para os que tem bichos: não ocupe os outros com a cria da sua cadelinha, ou a palavra nova de seu papagaio a menos que tenha absoluta certeza de que seu amigo partilha da mesma paixão que você.