sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Ir ao cinema sozinha

Resolvi experimentar. Nunca tinha feito isso na vida, morando na rua do cinema. Tinha tempo, saí mais cedo do trabalho. Pensei uma vez, pensei duas...Titubiei, chamando um amigo que não podia ir. Dissertei a respeito com outra amiga, que deu apoio, sugerindo que podia até aparecer um bonitão pedindo para sentar na cadeira ao lado. Aí já é delírio.
Fui pra casa me arrumar. Até a roupa que se escolhe é diferente. Quando se vai acompanhada você tem que passar, obviamente, algum rímel, alguma chapinha...Quando se vai sozinha a coisa fica mais leve, e pude então optar por bermuda e camiseta, acompanhadas de um sapato de palha sem salto.
O filme é imperdível, "Nosso lar", último dia em cartaz. Chego à fila e há contemporâneos de Chico Xavier. Um casal, claro. Que coisa bonita, um casal velhinho na fila do cinema! Os dois me olham, com certeza pensando: "Coitada da mocinha, vir sozinha ao cinema!". A moça da bilheteria também estranha: "Só um?", é, minha filha, só um mesmo.
Compro então a pipoca. Merda, o saco vem cheio até o topo, como é que vou misturar o sal? Dá-lhe sal na parte de cima. Embaixo vai ficar sem, vai ficar murcha. Melhor comer rápido a parte de cima, enquanto faço movimentos circulares com o saco (hum, isso ficou feio) para distribuir o resto. Melhor comprar água, esse sal todo vai dar a maior secura.Entro na sala. Tenho que usar de estratégia para escolher o lugar. Fileira do meio, um lugar do meio; esse é o melhor lugar. Pena que o casal de velhinhos também deve ter feito uma disciplina de estratégia na faculdade, e escolhem justamente as cadeiras da fileira da frente, mas, felizmente à direita. Penso: "Tudo bem, não vão atrapalhar", mas eis que chega de repente um adolescente: "Vó! Vô!"...O menino se instalou na cadeira em frente, claro.
E, pode parecer mentira, cena de filme (afinal estamos no cinema), mas ele usava black-power. Juro. Juro mesmo. Puta que pariu.
Vou respirar, penso, tomando água. A esta altura o saco de pipoca está no meio, o sal se distribuiu bem, e tenho micro grãos entrando até dentro do sapato. Coceira, cascas de pipoca agarradas no dente do fuuuuuuundo. Ai Jesus, esse filme que não começa, essa luz que não apaga.Antes da luz apagar, chega um casal na fileira de trás. "Letícia! Tudo bem?", "Oi M., tudo e você?", "Tá sozinha?", "Não, tô com o Chico!", "Qual Chico?", "Xavier". Deve achar que estou louca. Louca e sozinha. É um ex-colega de trabalho, com a esposa. Começam a comentar que era a apresentação de balé da filha na escola, e eles não foram, porque afinal a fulana de tal foi levar a menina e eles provavelmente queriam dispor de um tempo de descanso da criança (nada mais natural).
Começa enfim.Claro que há engraçadinhos rindo das cenas em que o cara está no umbral, com a cara cheia de coco. Claro que eles comentam "Ai que nojo!" toda hora. Claro que eles se levantam para "liberar um espaço" toda hora, abrindo a cortina e prejudicando a visão da tela. Claro. E isso não é exclusividade das vezes em que vamos sozinhas, isso tem toda vez. Daí se pode chegar à conclusão de que nada de diferente acontece quando se vai sozinha. É questão de costume. É questão de tempo também, já que ontem por um milagre eu o tinha.
O filme é tão bom, que tudo compensou. O black-power se encolheu na cadeira, acho que com medo, ou emoção. O casal aquietou, acho que pensando na vida. E eu com um frio terrível, já que o ar condicionado devia estar no último.Mas foi bom, isso posso afirmar. Aconselho filme e experiência a todos, como forma de se desprender de várias coisas. Inclusive do pensamento sem sentido de que não podemos aproveitar nossa própria companhia. Não tem nada de errado em sair com a Letícia, ela é ótima e vê o filme bem quietinha.

2 comentários:

  1. Gente! Adoro esse teu jeito "ah! estou escrevendo, nem percebi" de escrever. Muito, muito bom! Muito bom tb, é ir ao cinema sozinha. O próximo passo é sair sozinha, num bar, tomando uma cerveja,... eu chego lá!

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  2. hahahaha...obrigada, querida! eu no bar sozinha nunca fui não...

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